domingo, 20 de maio de 2012

SALIF KEITA: A DÁDIVA NEGRA DE UMA VOZ DOURADA

Albano Pedro É quase impossível ouvir a música de Salif Keita e não se deixar perder numa floresta de recursos sonoros telúricos simultaneamente dolentes e suaves proporcionando sensações estranhamente agradáveis em que se percebe uma intenção analgésica com a suavidade que visita um ouvido forçado a atender sem resistência ao apelo da lírica extasiante, sobretudo quando se tem uma profunda sensibilidade para a música de tendência erudita e se tem alguma percepção dos códigos musicais de raiz africana. O tempo pára e com ele a turbulência do momento. E então uma África que se desenha melódica aparece e o recolhimento espiritual acontece. Haja tacto, haja vontade de viver uma dimensão pouco habitual da cultura musical africana e haja sobretudo liberdade de ouvir a própria liberdade dos sons e melodias que perfilam com uma incrível harmonia na conversa dos múltiplos instrumentos musicais. É tudo leveza, é tudo profundidade e ainda por cima tudo soa natural na voz e na sonoplastia. É o que se passa quando somos visitados pela voz musical de Salif Keita. Não é por acaso que é considerado, pelos mais exigentes apreciadores da música africana, como: “ a Voz de ouro da África”. A partida a música na voz de Salif Keita nos obriga a uma equiparação compulsiva com a de Ismael Lo ou a de Lokua Kanza. Seja pela sensibilidade telúrica da voz que se entremeia numa melodia de evocação profunda enraizada nas memórias remotas de uma África mágica, fantástica e mística ao mesmo tempo humanista, solidária e espiritualista, seja pela ousadia na afirmação de uma identidade musical particular e por isso única. É verdade que partilham a origem afro-francofona, mas cada um, a sua maneira, foi para além das possibilidades musicais das realidades culturais em que nasceram para descobrir um modo de realizar a música muito peculiar em que a experiência técnica, a criatividade, o talento e a vocação se misturam numa linguagem muito profunda que traduz a essência de uma África dolente, sofredora e saudosista de tempos não vividos na modernidade. De comum têm ainda mestria na composição meticulosa das músicas e a exploração infinita dos recursos sonoros e dos instrumentos musicais que os colocam no top dos melhores mestres da música africana de todos os tempos. Mas, naquilo em que Ismael Lo e Lokua Kanza conseguem colocar o timbre da musicalidade com a voz através de uma laboração musical moderna e bem conseguida, Salif Keita acrescenta uma melodia muito peculiar alcançada pela particularidade do Kora e outros instrumentos musicais de uma África tradicional e misteriosa. Salif Keita nasceu no dia 25 de Agosto há 63 anos na cidade de Djoliba (região de Koulikoro) há 25 quilómetro de Bamako capital do Mali. A sua vocação musical o levaria para a classe de “griots” (que é a classe social em que se nasce cantor) não fosse o sangue real de que descende identificado com o do fundador do Império Mali, Sundiata Keita. Se Ismael Lo e Lokua Kanza preferem transmitir as suas sensações musicais em línguas africanas únicas, Salif Keita o faz da mesma maneira em Mandinga, mesmo quando se atreve a misturar outros recursos linguísticos como o francês que predomina como língua estrangeira nalguns temas. Ao longo da sua carreira musical Salif Keita produziu cerca de 14 álbuns musicais e a sua musicografia pode ser determinada em fases e etapas que fixam momentos de reformas evidentes na sua maneira de criar e fazer música. SORO (1987), KO-YAN (1989), DESTINY OF A NOBLE OUTCAST (1991), FOLON (1995), RAIL BAND (1996), SEYDOU BATHILI (1997), PAPA (1999), MAMA (2000), SOSIE (2001), MOFFOU (2002), THE BEST OF THE EARLY YEARS (2002), REMIXES FROM MOFFOU (2004), M´BEMBA (2005), THE LOST ALBUM (2006). Salif Keita é produto da sua própria existência por si só instável. Ao nascer albino começou por ser ostracizado. Na tradição do seu povo isso significa azar e por isso portador de alguma maldição. Se verdade ou mentira, o facto é que Salif Keita viu tanto a sua estabilidade geográfica quanto a sua trajectória musical visivelmente atingida por mudanças constantes. E isso mesmo é também sensível nas várias transformações que sofreu como músico do ponto de vista estilístico. Do lugar em que nasceu cedo mudou-se para Bamako onde começaria a sua carreira musical com os Bamako Super Rail Band em 1967. Mas tarde se juntaria aos Les Ambassadeurs com o qual viria a fugir para a Côte D’ Ivoire na sequência da instabilidade política do seu país. Nessa nova paragem a banda, que viria a chamar-se Les Ambassadeurs Internationales, conquistou o respeito do público e teve muita fama nos anos 70. Em 1977, Salif Keita recebeu o prémio National Order da Guiné Conakry, Ahmed Sekou Touré. Em 1984 Salif Keita mudou-se para Paris. Ao longo da sua rica e suave carreira musical é fácil descobrir os temas que fazem a marca do cantor. Alguns deles que identificam facilmente Salif Keita como Yamore, Iniaglege, Katolon, Souvent, Moussolou, Ana Na Ming e Here são verdadeiros monumentos em homenagem a sua fluida inspiração e aprimorada técnica musical. No Álbum MAFFOU podem ser encontrados todos estes temas. O que nos permite a ousadia de ver e perceber o período de amadurecimento de Salif Keita, em que o retorno as raízes o separam entre a fase da acomodação nas bandas musicais que fizeram a sua fama mundial e a carreira a solo. Em YAMORE Salif Keita é emblemático quanto a mestria que dele se exige. Faz questão de rechear a sua melodia com a voz mágica e cativante da dama dos pés descalços (Cesária Évora) que empresta o seu crioulo cabo-verdiano a poesia romântica elaborada em Mandinga por um Salif Keita perdido em lágrimas em busca da sua amada. A combinação das duas vozes é do melhor que se pode conseguir para homenagear a longa carreira musical deste cantor. O que transforma este tema num verdadeiro cartão de visitas para quem entra em contacto com a música de Salif Keita. A marcha é suavizada por uma lentidão sequestradora, entrecortada por uma salada instrumental bem cadenciada, onde a estética sonora e a métrica musical reforçam a beleza da letra que pontifica a voz melódica de Salif Keita. Em INIAGLEGE a guitarra solo surge ostensiva. Ela soletra as notas musicais ao ouvido. Oferece a oportunidade de se ter a noção da duração do tempo de cada nota permitindo uma exposição de talentos numa infinidade de segundos até dar lugar a voz seca e solitária de Salif Keita. Daí em diante a combinação da voz e da guitarra revelam uma espantosa capacidade e uma patente experiência na vivência instrumental com a música de um Salif Keita maduro e convincente. Não há coros nem andamentos rápidos. Durante a curta-longa peregrinação sonoplástica Salif Keita desabafa com a combinação dos instrumentos que ele próprio aprecia e vivência com a alma até deixar-se desmaiar no fim contra a nossa visível vontade numa altura em que não se quer largar os braços sonoros do cantor. Com KATOLON, Salif Keita se apresenta como um verdadeiro griot. O kora se insurge com a mesma autoridade em que acompanha os griots. Salif keita, está preocupado em desabafar e com a voz suplicante conta uma história sem pressa. Fala mais e solicita a companhia da sua destreza em manipular os sons. Os recursos líricos fluem suavemente da combinação habitual entre instrumentos tradicionais e modernos onde o coro feminino e o tempo musical fazem uma paisagem lírica extraordinariamente bela. MOUSSULOU é um monumento de sonoplastia instrumental de grande labor estético em que um coral feminino apela a alma de um Salif Keita cauteloso quase perdido em lamentações. Um conto ou uma história a medida do modelo griot de anunciar as vivências do seu tempo. MCK, rapper angolano, que nos honra internacionalmente com o seu underground, fez recursos a essa melodia para tema sonoro de fundo para uma das suas letras. A melodia é de uma cadência de alternância curta e contínua porém suave e ritmada. SOUVENT é seguramente o tema mais cauteloso produzido por Salif Keita. Parece um poema trovado com um Kora intermitente que teima em forrar um sofrimento infelizmente ostensivo. É um tema muito curto e o que encanta nesta muito bem conseguida música fortemente melódica é o modo como Salif Keita nos leva ao fim dela com ao ritmo arrebatador do Kora como querendo levar-nos para um embalo cavalgante ao infinito que desaparece no horizonte através do ouvido. Aliás, Salif Keita como todos os bons mestres que combinam uma voz mágica e uma incontestável capacidade de explorar os instrumentos musicais procura um diálogo interessante em que a voz dá lugar a uma peregrinação instrumental de uma arte refinada. ANA NA MING é de uma força sonora evocativa sonora capaz de ressuscitar sensações fortes. Mesmo sem entender a letra percebemos uma Salif Keita a lamentar de alguma sorte que nos identifica a todos com mágoa e tristeza. Aliás, a musicalidade de Salif Keita fala da mesma maneira para qualquer um sem tradução linguística ou idiomática. HERE começa com um chamamento sonoro produzido por uma guitarra solo bastante autoritária que se isola no ouvido até dar lugar a cadência ritmada de uma mistura instrumental que faz lembrar o Kora e alguns outros instrumentos em execução ao mesmo tempo que se impõe um coro feminino melódico. Salif Keita segue a substituir o coro em companhia ritmada da mesma cadência suave do Kora. Um ano antes Salif Keita lançara SOSIE onde se percebe a intenção de mostrar ao mundo a sua competência musical. E de facto, foi a razão que o levara a emigrar para Paris. Grafa os títulos dos temas em francês. É ousado na estilística. Mas percebe depois que não era necessário lutar pelo nome. Este já se tinha afirmado por si só. Tinha marcado uma personalidade própria que a própria alma exigia como marca. Reflecte uma musicografia que o revela a si e a sua história. Regressa espiritualmente à terra natal. Esquece a necessidade da fama mundial, faz-se griot e com MAFFOU Salif Keita está de volta àquele período solitário em que tem que dar com a sorte de ser albino com todos os ingredientes anti-sociais que envolveram a sua história pessoal desde a infância. Salif keita percebe que nunca devia fugir a sua própria história para se refugiar na música e na peregrinação pelo mundo. Inspira fundo e decide enfrentá-la finalmente. Procura justificações sem resposta e apela pela necessidade de se refugiar no amor e na solidariedade. Acima de tudo Salif Keita faz uma busca sôfrega pela harmonia e pela paz para uma alma atormentada. Por isso Salif Keita não canta para o público. Antes, dialoga insistentemente consigo mesmo com o testemunho da destreza que liberta através dos instrumentos e faz um momento musical para além da sua própria realidade. Assim se percebe que MAFFOU revele um momento musical sublime, e por isso transcendente, em toda a carreira artística de Salif Keita.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

LOKUA KANZA

ENTRE A GENIALIDADE DO ARTISTA E A EXUBERÂNCIA MUSICAL DE UM TALENTO SEM IGUAL


Albano Pedro




Quando se escuta a música de Lokua Kanza, mesmo quando se sabe que é um congolês, tem-se impressão que é um rebelde musical que se insurgiu contra os padrões da musicalidade da sua terra que invadiram o mundo com uma característica peculiar. Mas, Lokua Kanza é um cantor que busca o Congo Democrático, seu país natal, de forma sôfrega em toda sua paixão artística e recursos sonoros ou vocais. Essa aparente rebeldia coloca-o num anonimato incidental porque não é conhecido entre os seus compatriotas viciados em ritmos desencontrados com a mestria de uma educação musical clássica como a que esteve sujeito. Em meio as referências de Rochereau, Mbilia Bel ou Francó nos tempos passados ou de Papa Wemba, Kofi Olomidé ou Werrason, nos dias de hoje, Lokua Kanza procurou por uma educação musical clássica para seguir uma caminhada orientada para harmonia dos sons e da alma que o levariam a trilhar uma vereda impar e assumir uma musical vanguardista de cariz internacional sem quaisquer marcas da alienação cultural. Por isso a sua música não se confunde com o sokouss que sugere danças como ndombolo ou kuassa-kuassa tão pouco se afasta das raízes melódicas africanas.

Lokua Kanza nasceu em Bukavu, em Abril de 1958. Aprendeu a tocar violão como um garoto qualquer desenvolvendo a sua paixão musical desde então. Foi no Conservatório de Kinshasa que aprendeu teoria musical, a harmonia e a composição. O seu primeiro disco veio em 1993 e logo elevou-o a categoria merecida de uma das maiores referências da música de África. De Lá pra cá as suas músicas veiculam a partir de mais de 5 álbuns (O recente é Nkolo, 2011) se têm tornado em verdadeiros monumentos da destreza musical e da execução profissional harmonizada por um rigor estético musical muito raro na musicografia africana moderna. Hoje com credenciais que o permitem explorar uma rítmica multiforme e plurinacional que atravessa a África e o Brasil pelo mundo, Lokua Kanza insiste em manter a sua identidade através da língua nacional Lingala com a qual musica as melhores obras de arte que se lhe reconhecem. Esse vício nunca o abandona mesmo quando faz recursos linguísticos e idiomáticos diferentes há qualquer coisa que se fala em lingala para deixar claro quem toca. Quando questionado se esse apego teimoso não retira a possibilidade de elevar-se no mercado musical internacional. Simplesmente responde que quando se canta com a alma todos compreendem. E efectivamente acontece com as usas músicas. Não é necessário compreender a letra de Lokua Kanza. As melodias por si só traduzem. E traduzem directamente para a alma atenta que mergulha embebido na sua sonoridade muito peculiar. Lokua Kanza vive da música e para a música e assim se tornou num músico completo. Daqueles que deixam um marca característica em tudo que faz como música. Nesse ambiente é impossível uma paixão eterna com esse fazedor e refazedor de sonhos do qual destacamos Meu Amor, Moninga ou Zamba, para citar e apreciar os recursos estilísticos e estéticos de algumas das verdadeiras obras de arte da música contemporânea nascidas do talento deste africano de origens profundas.

Meu Amor desperta a paixão por uma terra nova (o Brasil em que vive) onde a saudade pela terra reclama a sua parte numa alma cansada de andar pelo mundo em busca do nunca na perfeição da alma e da poesia musical. A saudade flui através de bossa-nova e outros recursos estilísticos num lingala de feições líricas que se perde na alma numa suavidade agradável. O Amor pela terra abandonada num passado inocente é personificado e a arte flui espontaneamente de um Lokua Kanza cheio de energias sonoras e recursos melódicos que se confundem com ritmos brasileiros. Moninga (amigo) é uma homenagem interessante por despertar o lado sublime das relações humanas: a amizade. É uma saudade cantada para um amigo falecido cuja morte tomou conhecimento antecipado devido a uma doença de letalidade irreversível. O amigo morreu e a canção nasceu para eternizar uma solidariedade dilacerante que foi incapaz de o manter entre os vivos. Lokua Kanza recorda o amigo com pesar. Mas ainda resta tê-lo presente numa canção enquanto a alma. Esta, leva o peso da dor e do sofrimento causado pela partida indesejada à eternidade. Aqui a voz dolente de Lokua Kanza compete em perfeição lírica com a sonoridade multidisciplinar que a orquestra produz para embalar um ouvinte exposto a dor artística da música. Em Zamba a multidisciplinaridade é elevada ao extremo da execução musical. A vocalidade multiforme mistura-se a sonoridade instrumental num compasso cadenciado por uma métrica sonora bem conseguida. Torneia a voz numa plasticidade ilimitada e deixa-se correr aparentemente desorientado numa floresta de melodias e sons de sublime espiritualidade numa linguagem bem personalizada. Lokua Kanza parece explorar todos os recursos que a sua capacidade artística sugere dentro de um desespero de quem quer colocar ao consumo sôfrego de quem acompanha. Lokua Kanza deixa os instrumentos dialogarem no ouvido apaixonado do ouvinte até a exaustão para de repente configurar-se uma clareira vocal em que a voz melódica parece despir-se dos compromissos assumido com os instrumentos ao longo da canção.

Diz-se que Lokua Kanza distingue-se pelo som, soulful folclórico. Mas a verdade é que ouvir Lokua Kanza é estar diante de uma feira de recursos melódicos inimagináveis que deram estatuto a músicas que estão no topo da fama mundial. Quando o mundo se mistura em vulgaridades rítmicas em que os temas recorrem-se entre o amor e a traição, Lokua Kanza encaminha seus admiradores em líricas que clamam por um amor divino, uma amizade humanizante ou uma saudade dilacerante num cardápio de perfeição musical onde as melodias são iguarias sublimes. Porque em Lokua Kanza é tudo harmoniosa serenidade musical que dispensa a dança para envolver o espírito num espiral de fantasias melódicas indescritível. De uma coisa estejamos certos: perder oportunidade de contactar com a sonoridade e vocalidade musical de Lokua Kanza é sem dúvidas um desperdício que não se aceita em toda uma vida de cada um de nós, amantes da boa música.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

ENTREVISTA COM LOKUA KANZA

Entrevista

LOKUA KANZA
“Nkolo” é o título do sexto álbum de originais de Lokua kanza. “Nkolo” em português Deus. Com mais de 20 anos de carreira, Lokua considera que chegou o momento de fazer uma homenagem, um agradecimento especial a Deus, razão que o levou a dedicar o álbum em espírito, texto, composição estética ao Senhor. O músico revela que tem uma vida de sorte, sorte esta que lhe é dada por este ser superior, que o criou, guarda, protege e lhe vem conferindo todo o talento e génio criativo. Em “Nkolo”, Lokua kanza não traduz todos temas a falar diretamente de Deus, mas reúne canções cuja mensagem e direcção rumam ao senhor, fala de amor, família, de esperança, regresso, saudade, agradecimento e sobretudo de amor ao próximo e todo esse conjunto confirmado de valores são atribuídos ou seja são feitos a imagem de “Nkolo”.

Agora a viver no Rio de Janeiro, Brasi,l o músico e exímio guitarrista congolês foi convidado pela Fundação Sindika Dokolo – segunda trienal de Luanda para encerrar o certame e o painel musical do evento, à margem de toda a sua agenda Lokua concedeu uma entrevista a GrandesMundos.

Porque razão e no seu olhar crítico é que música de Angola e congolesa senão mesmo de África têm tanta dificuldade em entrar noutros mercados?

Esse problema não é apenas do angolano, é mesmo um problema de África, ou seja quando se faz uma música só para o seu país é uma coisa, quando se pensa alto e se quer fazer músicas muito mais acabada com outros elementos estéticos e códigos universalmente aceites e confirmado a sua música vai romper fruteiras porque fez músicas para mundo toda a gente se revê nela. Outra coisa muitos jovens músicos gostariam e querem cantar como americanos, franceses, italianos ou ingleses o que é extremamente errado é um projeto falhado, porque você precisa de ser original, ter ritmo africano, música africana, cantar africano. Para mim a primeira coisa que o músico africano deve preservar é a sua raiz, a sua base. Depois deve fazer uma mistura da música tradicional com técnicas e lições de conservatório, os padrões modernos e clássicos como jazz, bossa nova, merengue e todos outros ritmos e elementos que compõem o próprio complexo e já muito diverso e adverso universo artístico.

Como e onde foi produzido o vídeo do tema Nakozonga

O tema aborda questões de saudade, por isso mesmo gravámos em África, na minha terra no Congo, em nada valia rodá-lo na Europa, ou mesmo no Brasil. O vídeo foi gravado num dos rios do meu Congo. o tema como disse fala de saudade, de alguém que vive fora da terra de casa e tem saudade quer voltar á casa, a história é em torno desta questão; saudade da terra e o regresso.

Quando se tem um país como Angola ou o Congo o mais importante é apresentar ao mundo o que se tem de belo e agradável, às nossas coisas e artes e tudo aquilo que mais nenhum povo tem, temos tudo e mais, e é isso que devemos mostrar aos outros povos. Eu Lokua kanza já vive nas Américas e na Europa, e gosto são terras que têm tudo já desenvolvido. Nós os africanos temos que mostrar o que de original temos: mulher, roupa rios, praias, terra, sabedoria, Montanhas e no vídeo …. ” Nakozonga “tem um pouco disso.


LOKUA KANZA

Qual o segredo e magia da guitarra do Lokua kanza?

Quando começo a aprender a tocar violão, aprendo como todos e qualquer quer jovem de rua, e com o tempo fui á escola de música clássica, onde aprendo tudo sobre música de conservatório em versão académica, entretanto, tendo o domínio de técnicas clássicas não toco ou executo obedecendo a rigor a norma clássica ou melhor eu lokua kanza toco ritmos de África com técnicas clássicas: primeiro vem a essência que é de África e posteriormente adicionou outros saberes ou linguagens. Este é o segredo e magia de lokua kanza mais a tudo isso adiciona-se muito trabalho, empenho e profissionalismo.

Como o Brasil recebeu o Lokua kanza?

Muitos brasileiros no meu ver tem uma alma africana, porque se ouvir muito bem a bossa-nova é ritmo de África, é do Congo -Maluba (de seguida o músico bate na mesa em ritmo bem cadenciado e subtrai dela um som agradável de se ouvir próximo ao ritmo e género bossa-nova) dá sequência a conversa e diz que esse ritmo não existe noutro lugar senão em Xabamobaxi-Congo e é esse modo diferente de olhar para as coisas e a música que me aproximou do Brasil e brasileiros. Porque penso que quando canto e toco os brasileiros tal angolanos e franceses sentem.

LOKUA KANZA E COLEGAS

O músico tem de obrigatoriamente cantar em língua estrangeira para que a música seja recebida e ouvida?

Não. Quando você tem alma forte, tem emoção não precisa de cantar em inglês ou francês. Muita gente gosta da minha música e eu canto essencialmente em Lingala, creio que o problema esta mesmo no coração e alma. É claro que as pessoas compreendem a língua ajuda e muito, mas se não cantar bem, não tem boa letra e as pessoas não entendem o que diz é mau.

A viver agora no Brasil Lokua kanza tem composto temas para músicos brasileiros de reconhecido talento e sucesso internacional como Gal Costa, Ana Carolina, Djavan Vanessa da mata Ney Matogrosso, Luísa Possi. Um dos melhores momentos e glória da sua carreira, diz o artista.

Que historia nos revela a música” Moninga “?

Moninga fala de um amigo que tive, era um grande baixista e tocou o tema chana i dance, estava muito doente quando fui ao hospital visitá-lo, o medico chamou e disse que ele tinha pelo menos mais uma semana ou menos de vida. Fui a casa peguei no violão e saio o tema “Moninga” que fala de amor e saudade e do carinho que tinha por ele. E tal se confirmou dias depois acabou por morrer.

Entrevista por: Renato de Menezes

Esta entrevista foi corrigida nos termos do novo acordo ortográfico.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

DO CONTRASTE ÉTICO AO PURO ESTETICISMO NAS ARTES PLÁSTICAS ANGOLANA

A PROPÓSITO DO PRIMEIRO ENCONTRO NACIONAL DE ARTES PLÁSTICAS

Albano Pedro*


Mesmo sem precisão historiométrica, o movimento ético e estético das artes plásticas angolanas varia entre dois importantes períodos. Isto, se afastarmos o nebuloso período pré-colonial e o não titulado ou alienado período colonial, mesmo com o meu homónimo Albano Neves e Sousa. O primeiro que corresponde ao pós-independência em que a opção política do Estado centraliza e direcciona o sentido estético (1975 – 1992) nascendo a arte “intervencionista”, “vanguardista” ou “política” de acordo com oportunidade de conveniências. O mesmo que Kitsh totalitário para Hitler ou Realismo Socialista para Estaline; e o segundo que responde a um emancipalismo individualista da estética (1992 – Aos dias de hoje). Se é certo que a Arte responde a génese cultural e ao estímulo psicossocial de um povo ter-se-á que ambos os períodos correspondem a opções sociais fundamentais na história do povo angolano.

Mas estaremos sempre diante da Arte independentemente das características de cada um destes períodos? Vale a partida que a arte é ininteligente. O sintoma desta realidade é a eterna pergunta «O que significa isto?» quando em presença de uma obra pictórica, peça teatral, composição musical ou poética. Mais. Não é temporal e como tal eterna. Atravessando com serena imutabilidade toda a existência impregnada de turbulências desgastantes, como o próprio tempo sobre a vida sinalizada pela erosão sobre a natureza ou pelas rugas no homem. A Arte é o tom superior da sobreposição da Natureza proclamando a derrota sobre o envelhecimento; sobre a finitude. E denuncia ao homem a possibilidade da vasta e misteriosa eternidade impiedosamente perseguida pelo conatus sese preservandi (instinto da sobrevivência ou auto-conservação).

A arte enquanto modo intemporal e transcendental da própria existência vital não se compadece com o dirigismo ou centralismo político. Neste período haverá certamente tudo que expressivamente denuncie o génio inventivo ou criativo do homem angolano. Menos arte. A pressão política sobre a arte no período pós-independência terá certamente levado a clandestinidade criativa o verdadeiro génio artístico e emancipado o senso artesão na artegrafia angolana no geral. Assim, será com certeza o tom reivindicador de um nacionalismo independentista na música, no teatro, no cinema, na literatura, na dança ou nas artes plásticas dos anos oitenta. A prova está em que tudo que foi produzido nesta época envelheceu como o próprio artesanato. No tempo e no espaço. Sujeitou-se ao tempo e demonstrou a sua triste e frágil imperenidade. Seja música, dança, teatro, literatura ou artes plásticas. O que sobreviveu, viveu do génio próprio da arte e é muito pouco ou de selecção difícil ou criteriosa.

Remeto-me ao passado recente como apreciador e actor das belas artes, em reflexão a uma breve, mas intensa, convivência com Tirso Amaral importante e marcante nome para galerista. O qual esvaziando garrafas de Gin e apagando beatas de cigarros um após outro, deixava no seu discurso, meio distorcido meio profundo, longe do alcance de mentalidade pouco treinada para a captação dos sinais transcendentais da Arte, a ideia de que pouco do que se produzia sobreviveria ao tempo. Mal servia para ser comercializado como verdadeira Arte. Não compreendia o consumo frenético de tanto Gin ao que relacionava com o seu intenso génio laboral. Mas percebia aquela alma como poucos dos que lhe eram próximo. Pressagiava o roteiro negro para a arte, assim rotulada, da época. Tínhamos então um ambicioso projecto: organizar uma importante obra literária sobre a cronologia das artes plásticas angolanas. Não fosse a morte que o precipitou no abismo do silêncio material tamanha obra estaria hoje a ser consumida como um verdadeiro marco na documentação das artes plásticas angolanas.

O conjunto de obras de artes plásticas que sobreviveu da época, já era Arte antes da época e mantinha-se na veia de poucos monstros, tais como Victor Teixeira “Viteix”, Zan Andrade, Paulo Jazz, Jorge Gumbe, Francisco Van-Dúnem “Van”, António Olé, Eleutério Sanchez, Augusto Ferreira, Fernando Alvim, Costa Andrade Ndunduma, Henriques Abranches, Telmo Vaz Pereira, Tomás Vista “Tetêmbua”, Álvaro Cardoso para citar alguns daqueles que atravessaram o período estético pós-independência. E por isso, um movimento artístico não foi possível na época. Nenhuma escola nasceu nem foi teorizada por isso. Apenas nomes e tendências isoladas entre as quais nascente da pintura iconográfica e pluriestética de Viteix. Escultores como Mpambukidi Nlunfidi, Mestre Bonga, Tomás Ana “Tona” (hoje Etona), General Rui de Matos e Massongui Afonso “Afó”; o ceramista Matondo Alberto ou pintores como Kabissi Remos, António Pululu, Bastos Galiano, Álvaro Macieira ou ainda gravuristas como Kidá revisitaram os seus modelos estéticos e ofereceram apuradas nuances reformistas tendentes a verdadeiras obras de Arte. Os artistas culparão certamente os críticos de arte por essa falta grosseira. Entretanto, o período não permitiu qualquer fermentação de material artístico possível que sustente um verdadeiro movimento para a época.

Mas as artes plásticas vivem também na estratificação social oferecendo a cada classe o seu auto-retrato ético e estético. A pintura antecipou-se a estratificação distribuindo diferenças modulares as diferentes percepções estéticas e renasceu em grande no segundo período. Nomes forjados pelo autodidactismo ou pela aprendizagem com variante reformista como Domingos Barcas, António Gonga, Don Sebas Cassule, Tozé, Coutinho, Quissanga, Fernando Nunes, Pedro Tchivinda superaram o dirigismo neste domínio e permitiram o surgimento de uma multiplicidade de tons e nuances plasticográficas combinando exaustivamente correntes e estilos como cubismo, futurismo, abstraccionismo, surrealismo, impressionismo, expressionismo… Há também a imposição feminina com a tecelã Marcela Costa (hoje mais galerista do que artista) ou a Clara Monteiro.

A escola Média de Artes Plásticas teve a sua contribuição. Com orientações de professores como a Filóloga Irene Guerra Marques, a Antropólaga Ana Maria de Oliveira, a Historiadora Rosa Cruz e Silva, o ceramista Matondo Alberto, o escultor Massongui Afonso “Afó”, o desenhador Francisco Van-Dúnem “Van”, o gravurista Jorge Gumbe, o pintor Salló Sally entre outros, surgiu uma nova geração de artistas multiperceptiva nos conceitos, estilos e textos plástico. No mesmo período ainda nascente, porém efervescente, da nova vaga de artistas plásticos, Lino Damião, Sebastião Eduardo “SD”, Albano Pedro (eu próprio), Mwamby Wassaky (promissor escultor revelando um surpreendente método de trabalhar o coco, agora estilista e costureiro) fundam Os Nacionalistas, que se pretende como primeira tentativa histórica nas artes plásticas angolanas de um movimento estético determinador de uma plasticografia emancipalista que combina cânones da estética africana e padrões da arte clássica, contemporânea, moderna e pós-moderna ocidental. Tendência ética e estética, aliás, já patente e identificada em muitos outros pintores, gravuristas, tecelães, ceramistas, escultores… que remetem as artes plásticas num ritmo de progressão reformista acelerado. Mais tarde juntam-se aos Nacionalistas, por identificação geracional, outros nomes como Lutandila Paxi, Zizi Ferreira, Yana Van-Dúnem, Marco kabenda, Yonamine Miguel (Yona). Com os primeiros frutos académicos da Escola Média de Artes Plásticas outros talentos se impõem. Entre eles Sabby, jovem enérgico e de entusiasmo galopante que combina elementos plasticográficos de Jorge Gumbe exponenciados pela recorrente temática da Kianda, do embondeiro e do feminino no texto plástico, também, e profundamente, explorado por Domingos Barcas. Outros artistas marcam a sua evolução em paralelo: Kabudi Ely, Kiluanji Kia Henda, Kiluanji Liberdade, Raul Silvestre, Luandino de Carvalho, Ondjaki, Lema Yuma a enriquecer a nova paisagem plasticográfica angolana. A crítica embora com presença incipiente segue as peugadas da nova vaga com textos genéricos e por vezes transplasticistas pelas sugestões imagéticas, ontogenéticas e historiográficas. Há a progressão multiestética do texto crítico de Adriano Mixinge configurando a paisagem plástica; de Jomo Fortunato cuja sonoridade textual produz uma estranha, porém interessante, simbiose ética e historiométrica entre a Música e as Artes Plásticas revelando um todo nominativo para a leitura métrica do texto plástico ou de Albano Pedro num processo de iniciação crítica tendencialmente dirigido ao eticismo plástico. Os espaços impressos são o Jornal de Angola, a revista o Chá (Associação Chá de Caxinde), Mensagem (Ministério da Cultura) entre poucas outras.

Se o primeiro período levou os artistas àquilo que pode ser rotulado como “a falência do objectivismo plástico-criativo” cujo resumo esta na irreversível auto-destruição por imperativo histórico do vector criativo viciado pela postura política dos agentes da plasticografia angolana da época, para a nova geração, o génio criativo de forte pendor liberal nasce das cinzas de um presente plasticográfico decadente e a busca de um paralelismo estético-plástico entre o Ocidente e a África assente no padrão globalizante do universo torna-se num objectivo inadiável e historicamente necessário. Os conhecimentos da História e Ciência das Artes Plásticas desencadeiam um verdadeiro êxodo intelectual determinado pela sede e fome criativa da maioria dos jovens operadores da época arregimentados pelo BJAP (Brigada Jovem das Artes Plásticas) que se impelem à linhas de inspiração afro-europeia confundindo em miscelâneas estéticas Van Gogh, Picasso ou Matisse e Malangatana ou Viteix num cruzamento simbiótico de matriz futurística que rapidamente emancipam e projectam as artes plásticas numa nova era e dimensão histórico-valorativa. Há ainda o recurso a técnicas multifacetadas e polidimensionadas baseada em combinações sincronizadas de técnicas clássicas exercendo superação compensatória sobre a técnica monodimensional e unidireccionada do óleo ou acrílico sobre tela para obras de pintura do período pós-independência ou revolucionário. Na gravura a técnica do linóleo ou da madeira é superada pelas linhas pictográficas talhadas ou projectadas em chapas de metal e outros materiais ousados. Impõe-se a ousadia temática e a estilística evolui com a morte gradual do expansionismo dirigista exercido pelos mestres detentores de ateliers e galerias sobre os aprendizes historicamente potenciados para a nova era; o artista ganha finalmente identidade própria enfrentando o indeterminismo onto-estético da nova era com um novo sentido do ser-ético e inabalável optimismo estético. Se só é Arte o que é belo e só é belo o que é sublime, a nova geração tem um sentido de missão bem mais presente; bem mais sublime: resgatar o catálogo estético-plástico angolano do lugar-comum.

Mas, a velha questão permanece insistente. Haverá uma Arte política ou social? A Arte, como procedimento materializante, não é sequer historicamente enquadrável porque perene. Não haverá lugar a cumplicidade ou parceria entre a História (enquanto movimento secular) e a Arte. A Arte não contribui, pelo menos directamente, para a organização de funções sociais geralmente quantificáveis pelas finanças públicas. As artes não compõem um sector intencionalmente produtivo com reflexos no desenvolvimento económico de um país. Tudo isso fá-lo o artesanato. É falsa a pretensão da classe dos artistas em reclamar um espaço no quadro das prioridades políticas da nação, senão quando seja por reconhecimento demissionário da autoridade que exercem sobre as artes. E o artista que fizer das artes uma base de projecção financeira e de sucesso material não só arrisca a sua despromoção para a categoria de artesão como manifestará a inversão de um processo natural. Pois, as artes vivem de uma base financeira e material anterior normalmente não providenciada pelo artista. Daí os Mecenas da Itália renascentista e os patrocinadores dos dias de hoje em sociedades organizadas. Insuflar no espírito empreendedor de jovens, cujas veias correm ansiedades de realização material, esperanças de materialização financeira nas Artes é um exercício digno de charlatães e concomitantemente pernicioso para a estabilidade das Artes. Não enriqueceram fazendo arte, gigantes desde Donatello, Botticelli, Leonardo da Vinci, António Canova, Michelangelo, Giorgione, Rafael ao Goya, Alfred Sisley, Rembrandt, Camille Pissarro, Paul Gaugin ou Emille Antoine Bourdelle e muito raro o reconhecimento lhes veio em vida, para além de muitos terem passado por verdadeiros calvários devido a marginalização pública imposta pelos regimes e contingências históricas vigentes. Foi a coragem de assumir a necessidade não material do ser-artista que transformaram os africanos como Oku Ampofo e Kofi Antubam (Ghana), Afewerk Tekle (Etiópia), Gerad Sekoto (África do Sul), Ben Enwonwu (Nigéria) e Viteix (Angola) em gigantes respeitados pelos cultores da artes plásticas ocidentais pelas propostas pictóricas de raiz africana entre os anos 30 e os anos 50 quando entraram para a Europa e convenceram, pela riqueza dos recursos imagéticos, exigentes críticos e apreciadores do Belo.

Finalmente, a Arte não cede a pressão política ou económica. Não haverá mais artistas em períodos de ditadura ou menos artistas em períodos de plena democracia e não haverá menos produção artística em períodos de carência ou mais produção em período de abundância como demonstra a variação de qualquer mercado. Nem sequer a Arte é mercadoria, se não quando já fora dos limites da posse e/ou controlo do seu autor. Vale sugerir que, o Artista é um semeador de esperanças; um sacerdote. E fazer arte torna-se num involuntário e quase irrenunciável culto ao sublime. Por isso, pretender que a arte intervenha no domínio político, económico, cultural e social, como se impôs no passado recente com a participação na mobilização ideológica e política ou com a produção de padrões das notas (moeda), é confundir o papel mediato do artista na leitura intemporal dos fenómenos naturais com a motivação do “homo economicus” escravizado pelas necessidades quotidianas e produtor de dados gráficos, imagens e ilustrações por processos artesanais ou tecnologicamente assistidos ligados a decoração, ao design e a projecção gráfica geralmente relacionados com o turismo, a publicidade, o marketing, a comunicação social e a imagem comercial com toda a sua imediaticidade consumista. Se no passado esta participação social foi forçada, hoje é impensável sequer. Que o Primeiro Encontro Nacional de Artes Plásticas tenha servido fundamentalmente para determinar a gnoseologia da Arte e criar a consciência de separá-la do artesanato perecível. O que representa um exercício de auto-consciência da classe dos artistas necessário para a afirmação de uma identidade inquebrantável e de um verdadeiro movimento artístico nacional mensurável, quantificável e catalogável nas perspectivas ética e estética dentro do contexto da evolução histórico-artística de Angola.

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* COMENTARISTA E CRÍTICO D’ARTE

segunda-feira, 8 de junho de 2009

PEDRO TCHIVINDA

ENTRE O CUBO - FUTURISMO E O MITO HUILANO

Albano Pedro*

Aos 40 anos de idade, Pedro da Conceição Filipe André ou Pedro Tchivinda é um homem amadurecido pelas vicissitudes históricas da sua época num tempo sem fim e um pintor endurecido pelas experiências ético-estéticas resultantes de um trabalho árduo num espaço sem limite. Começou a desenhar na escola, sacrificando desde cedo os estudos académicos em favor da paixão que não mais o abandonou.

Como pintor galgou os degraus do conhecimento com um autodidactismo eivado de uma convicção, algo cega, pelo sucesso. Descobriu uma corrente aqui denominou cubo-futurismo. Simbiose, é claro, de duas correntes estéticas modernista introduzidas nos primeiros quartéis do século passado. A primeira, o Cubismo, largamente explorada pelo pintor espanhol Pablo Picasso, inovou o quadro analítico formal através da projecção geométrica dos pictogramas no processo de objectivação da “coisa” artística; a visão analítica esbarra-se com uma associação formal onde o objecto impresso é uma polidimensão expressa no ângulo bidimensional, i.é, uma tridimensionalidade plana. O que revela a possibilidade ilógica de se obter as seis vista do objecto num único extremo visual: Frontal. Embora operando com bases próprias da geometria, o cubismo ultrapassa os limites formais desta e expõe-se para alem configurando novos modelos. O cubo, o paralelepípedo, a esfera, o cone…, são transformados e adoptados como partes de uma forma mais ampla (a forma criada como corpo da narrativa pictórica ou tema retratado) por uma geometria plástica longe do rigor euclidiano. Assiste-se então o formalismo rígido ou exacto da geometria que se rende ante a suavidade dos movimentos e interações plastigráficas, nascendo assim uma geometria harmoniosamente plasticizada.

O Futurismo enquanto ensaio pictórico de uma realidade futurística, revela a imagística das formas e movimentos dos elementos tecnológicos como suporte do discurso plástico. Os pictogramas concebidos fazem-se e refazem-se num processo epistemológico onde a concepção e a percepção se confundem em formas reveladoras de conceitos não contemporâneo nem passados. É o progresso dinâmico-estético numa prespectiva dinâmico-criativa; o ilimite estético-criativo transbordante da acção libertadora do artista em interação com os limites do ambiente plástico. Numa palavra: a extravagância.

Se o Cubismo associado ao Futurismo é uma inovação, está deverá ser entendida no plano geopictórico ou plástico-territorial (salve-se assim do risco de cair no mimetismo negligente), posto que o pintor se tem revelado, entre nós, como único operador plástico consciente do conceito que lhe subjaze o processo criativo. O inequívoco porem, esta em que o Cubo-Futurismo de Pedro Tchivinda é uma forma de revelação plástica “suis generis”. O artista procura as bases de um realismo enriquecido pela pormenorização tónica das cores própria do naturalismo e com ela faz (re) nascer as formas do seu estilo. Uma associação surpreendente que sugere mais a polinomenclatura: naturo-cubo-futurismo.
Admita-se que, Pedro Tchivinda é antes um naturalista, se atendermos ao rigor na continuidade das nuances (o que é raro entre os naturalista angolanos) no tratamento das cores ao ponto de um morango pintado oferecer ao espectador, a sensação de suculência própria de um fruto natural (vide a obra: se Lubango tem morango…-em homenagem a canção homônima de Waldemar Basto).

Com a décima sexta exposição individual: Cubo da Futuridade, apresentada no mês de Agosto do ano 2001, o pintor evidenciou a versatilidade de um artista que faz da tela a paleta em que a mistura é um conjunto de formas que completam e pós-completam uma construção plástico-narrativa que, de assentada na acessibilidade do discurso realístico-naturalista, é de fácil leitura. O que une o prazer de apreciar a inocência criativa de uma obra realista e o esforço de descodificar os signos místicos de uma arte abstracta. Eis como o Cubo-Futurismo de Pedro Tchivinda sugere a ousadia da Arte em desafiar o seu próprio limite: o ilimite criativo, transportando-se a si mesmo para lá das fronteiras do exagero da (in) consciência enigmática da obra que materializa.

Quarenta obras! Uma exposição de grande fôlego. Pedro Tchivinda (de)mostrou que não só de Cubo-Futurismo vive o artista, mas de todas as possibilidades que o estilo encerra em si. Torceu e distorceu o Cubismo e o Futurismo, confundiu-os por vezes em outras correntes, oferecendo uma orquestra pictórica de diversidade agradável. Em quadros como “p’ra frente”, “defloramento”, “para o banho”…, o figurativismo de tendência abstracta atrai perigosamente o artista que resiste pelo fio de um Futurismo debilmente amarrado nas cores. Já em “num destes dias” o Futurismo vai ao ponto de regressar as formas primitivas com o rigor dos modelos tecnológicos (como a lâmpada eléctrica) associados à temática do futuro enquanto espaço-esperança denunciado pelo olhar perspéctico da forma feminina. Manifestam-se parcerias entre o Cubismo e outros estilos como o realismo (“depois de casados”) e o figurativismo (“Agere memo – eles mesmos – crioulo Namibe”). Porem, algumas vezes é majestosamente omnipresente (“cocktail in Mussulo”) ou solitariamente encantador (“Marimbeiro e companhia”) e ainda em casos que incorpora tipos raros do surrealismo (“protecção”). Finalmente a relação entre o Cubismo e o Futurismo é assombrosamente perfeita, ora revelando uma espectacular sensação de movimento (“Rapariga Beija Flor e Abelha”), ora apresentando um incrível dinamismo nas formas (“Nu Enxerto”).

Atravessando a sua obra da cobertura formal até ao âmago temático, os códigos éticos são enaltecidos (“Que viva a solidariedade”) ou denunciados como decadentes (“Chauvinismo”) ou até mesmo lembrados como fundamentais (“Carência Ingerindo Humanidade”). Também, são emancipados à psicoformas (“Janelas da Alma”), sacrificados em favor de um idealismo para-ético (“Ovinganji Eclipsando”), ou simplesmente usados como uma mensagem lírica (“no “ y”). Pedro Tchivinda tem na sua cidadela imaginária todas as soluções para as pandemias psicossociais de um mundo que teima em manter-se enfermo. É um sonhador. Pior! Um poeta que canta as melodias concordantes das motivações humanas e desumanas (“João e Joana”) com um espírito discordante e que se rebela contra a inóspita realidade envolvente (“Etango Tonoguine-Sol Poente-Kwanyama”). Daí que a mulher, mesmo como sociotipo que a realidade apresenta com todos os requintes de crueldade: lágrima, desaires e infelicidades…, revela-se nas curvas afrodíticas da beleza, respirando através da pele sedosa a esperança de um mundo ideal sobre um mundo real. Segue-se que a cordialidade, a harmonia social, a irmandade…, são valores facilmente destilados da temática proposta formando ideotipos que passam a frequentar a razão de que se coloca diante de cada tela. Um modo invulgar e perfeitamente agradável de pregar a mensagem da paz e da necessidade de unidade nacional, em cada espírito dilacerado desta Angola martirizada.

Entretanto, o drama nem por isso se aperta do prazer de viver e de estar. Parece colaborar com a dialéctica dizendo: A alegria é o amanha necessário da dor, tal como esta antecede aquela. De modo que a intensidade de uma condiciona a da outra. O poeta que esconde o drama atrás das cortinas transparentes de um lirismo suave é proeminente. Por vezes apresenta-se na embriagues erótica proporcionada pela flecha de um Cupido eventual. Se se pode admitir que a mulher é a expressão humana de um espaço geo-genético, Pedro Tchivinda é um huilano de natureza e de expressão telúrica, que abandonou a terra sem que para tanto concorresse a sua vontade.

Ora, na distância, após os apupos de uma saudade profunda, nada mais resta à sensibilidade humana senão cantar o passado. Mesmo quando este parece confundir-se com toda a realidade que nos envolve; mesmo quando nos ilude com um altruísmo universal que se exprime nos mais variados modos de auxiliar o próximo. Afinal, se Lubango tem morango…, há de ter certamente tudo quanto o prazer queira. E para tanto, Pedro Tchivinda canta na sua poesia plástica com todo o ardor de uma alma sensível. Sensível à necessidade humana.

* texto inédito elaborado por altura da 1ª exposição de Pedro Tchivinda em Luanda, há mais de 10 anos.

O GÉNIO DE SEBASTIÃO EDUARDO

E O NASCIMENTO DE “OS NACIONALISTAS”

Albano Pedro

Certa vez, há menos de dois anos, envolvi-me numa discussão sobre a possibilidade de um movimento de artes Plásticas em Angola. A discussão teve lugar, no velho edifício da UNAP (União Nacional dos Artistas Plásticas) e foram protagonistas entre outros pintores, Barcas e Gimby. Eu defendia, embora contrariado, que não se podia falar de um movimento das artes plásticas em Angola, antes do surgimento da nova Republica. A minha tese assentava nos seguintes argumentos: antes de 1975, Angola não existe como Estado, pelo que qualquer artista ou movimento artístico daquela época tinha directa referência com Portugal. Albano Neves e Sousa, pintor de renome da época colonial, sairia certamente em minha defesa, em benefício de ser meu homónimo. Após a independência, o regime politico baseado na centralização das decisões deve reflexos negativos na liberdade dos indivíduos e tendo em conta que a arte, apenas encontra realização com a liberdade ou sentido individualista do criador, seria bastante arriscado sustentar a existência de um movimento artístico, visto que o que se pôde produzir durante aquele período era material de valor ideológico-político enquadrável no interesse colectivista. Claro está, que a pensar de tudo haviam artistas. Negar esta verdade é ofuscar grandes nomes como António Olé, Zan Andrade, Paulo jazz, Augusto Ferreira, Tomás Vista “Tetembua”, Van-Dúnem “Van”, Jorge Gumbe, Massongui Afonso “Afó”, Marcela Costa, Kabissi Remos, Mpambukidi Nlunfidi, etc., que hoje fazem eco nos quatro cantos da fisiologia plasticográfica angolana. Todavia, encontravam dificuldades em fazer vincar a sua criatividade a margem das imposições ideológicas. A propósito daqueles angustiantes períodos da história das artes plásticas em particular, talvez Victor Teixeira “Viteix” (Um dos maiores vultos das Artes Plásticas Pós-independência), tivesse muito que contar para a nova geração de artistas se a morte não o tivesse convidado a abandonar-nos.

Em síntese, a história não ofereceu-lhes a oportunidade de “arquitectar” uma verdadeira estratégia geracional, capaz de desencadear um movimento artístico. A acrescer-se se a situação socio-política, a UNAP despoletou uma verdadeira crise de identidade criativa ao incorporar nos primórdios da sua existência, legiões de artesãos. Não estranha, por isso que os grandes nomes trabalhassem dispersos, distante de uma consciência colectiva. Daí que eu teime em sustentar que, é de duvidar a possibilidade de um movimento artístico, i.é, de existência de uma consciência generalizada em volta dos conceitos criativo no domínio das artes plásticas antes de 1992.

Com efeito, a nova geração de artista plásticos aquela que começa ganhar uma visão de conjunto sobre a Arte, separando-a do artesanato e das reproduções ideológicas, nasce com o primeiro curso de Artes Plásticas do INFC (Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural) em 1988. E não é para menos. Neste exacto período, o famoso pacote de reforma económica, denominando programa de saneamento Económico e Financeiro (SEF) surge como a antecâmara de grande reforma política que culminou com a transição para a II República, palco definitivo do individualismo necessário a libertação do homem. É célebre o discurso da Dr.a Irene Guerra Marques, então directora da instituição e professora de língua portuguesa, que ao dirigir-se para o grupo dos primeiros estudantes no qual me encontrava incluso, sentenciou optimista nos seguintes termos: “… Com abertura deste curso, a fase de produção de telas com casas de pau-a-piqui termina”. Mais do que simples palavras de encorajamento, aquela filóloga determinou o fim de uma época confusa nas Artes Plásticas angolanas e divisou as cortinas, para nós, novatos, de uma época em que tudo devia nascer da espontaneidade do homem angolano; da criatividade em si. Entretanto, foi preciso esperar por três gerações de formados para que a palavras proféticas, daquela querida e dedicada professora, passassem para o plano da realidade. Os protagonistas são entre eles Sabby, prémio cidade de Luanda e dos poucos formados que se fez pintor com o curso. Muitos deles já eram artistas com carreira e membros da BJAP (Brigada Jovem de Artes Plásticas) é o caso de Domingos Barcas, que veio de Benguela com uma certa autoridade em tratar com pincel, Tomás Ana “Tona”, Gonga, Fernandes Nunes, Kissanga, Maria Clara Monteiro, a cantora, Marques, o mais dedicado gravador da nova geração, etc. Mas a contribuição veio igualmente de fora das carteiras do INFAC. Coutinho, o senhor do carvão, Don Sebas Cassule engenhoso e muito produtivo, auto-didacta são algumas das vozes. Pedro Tchivinda, um dos poucos pintores que trata o realismo por tu, tornou-se a figura emblemática da Huíla. Com o mesmo estilo, em Luanda Ezequiel, brinca com as cores e extasia os espectadores. Uma jovem, Amélia, já falecida, da corpo a primeira presença feminina da nova geração e os seus traços são de avançada concepção estética. O INFAC, coloca finalmente duas raparigas no mercado das Artes. Os nomes são ousados e criativos: Kátia Rangel e Ana Van-Dúnem. Donas de beleza reluzentes e de propostas estéticas de grandes promessa. “ Alea Jacta Est” (está lançada a sorte) diriam os latinos. É a época da efervescência criativa. Os jovens são audazes, os mestres vão cedendo os lugares no pódium e a pintura de pau-a-pique, vai de facto a pique.
Claro que, não basta a aparição de novos valores no mercado artísticos-plásticos, para se falar em movimento artísticos. Porque acima de tudo, um movimento é uma tendência ética, i.é, é, uma sucessão de valores historicamente presentes e aceites por uma determinada sociedade. Para tal é necessário que haja uma estratégia de acção que identifique uma geração e inscreva nos anais da história, a presença de uma época de buscas e descobertas de valores identificados com a necessidade de todos. A primeira tentativa desta verdadeira consciência de geração nasce com “Os Nacionalistas”.

Os Nacionalistas Acham que deve haver uma motivação comum na motivação da Arte. A motivação é ética e deve ter o mesmo pendor que as do grandes intelectuais dos anos 40, como o Mário Pinto de Andrade e outros, que lançaram o desafio “Vamos Descobri Angola”. O artista plástico angolano deve procurar as suas raízes e a partir codificar o seu processo criativo, conferindo à obra-produto uma marca tipicamente nacional. Mas um grande nome, embora incógnito, está por trás desta consciência colectiva: Sebastião Eduardo ou “SD” como assina nas obras.

Sebastião Eduardo. Um jovem de criatividade abundante e genialidade incontestável Nasceu artista e a sua candidatura e frequência no curso de artes plástica foi prova viva de que o Artista não se forma, nasce. Nunca conseguiu digerir a geometria dos conceitos matemáticos, químicos e físicos. Resultados: o curso foi excessivamente torturante. E a velha dificuldade enfrentada pelos libertos quando submetidos a regras. O artista quando nascido génio não é lógico, por isso não aprende. Ao invés, descobre-se. Só assim se compreende que Isaac Newton, o célebre matemático tenha sido péssimo aluno na disciplina em que se destacou. Sebastião Eduardo não precisava aprender arte, porque esta nasceu com ele. Sua gravura intitulada “ A dança do galo” (Em homenagem a famosa dança com o mesmo nome, do grupo de dança tradicional Os Kilandukilos) e a “Mordidela de Adão” atraíram a atenção de grandes nomes. Um deles é Jorge Gumbi, ex- director do curso de Artes Plásticas do INFAC. A particularidade dos traços de grande precisão e elevada perfeição, fazem de Sebastião Eduardo um criador nato. E onde estará a genialidade deste jovem? Basta saber que a maior parte dos artistas concebe a obra mentalmente e vindo em seguida a materialização na tela, na madeira ou no barro. São dois processos: a concepção e a projecção. Para Sebastião Eduardo, os dois momentos confundem-se perfeitamente. A obra nasce no momento em que toma o pincel e as tintas e passeia sobre a tela ou empunha a goiva para “desbravar” o linóleo. Um artista de admirável versatilidade que trabalha obcecantemente, horas a fio, completamente desligado do mundo exterior, usando os mais variáveis materiais e estilos que permitem a pintura, a gravura, o desenho, a escultura, a cerâmica, a banda desenhada, etc. grande parte das suas obras predominada por máscaras encontram-se dispersas em colecções de anónimos, muitos deles sem justo título de aquisição, uma vez que Sebastião Eduardo tinha pouca propensão para a alienação das suas criações. É a justificação da velha contradição com os actos e comércios que impõem aos artistas o cruel sacrifício de se verem distante de algo que lhes é intrínseco: a obra.

Quando nos conhecemos acabávamos de aprovar nos testes de aptidão para a frequência do curso. Tínhamos muito em comum. Desde o nome Sebastião, a vontade de criar, a vocação artista desde as infância a extravagância… até a resistência as aulas teóricas. Francisco Van-dúnem “Van”, então professor de desenho, caracterizou melhor a nossa relação apelidando o dueto que constituíamos com o estranho epíteto de “barraqueiros” qualquer coisa como vagabundos. Claro está que de vagabundo nada tínhamos. Apenas a impressão de que estávamos a ser torturados pela matemática, nos levava a distanciarmos da realidade académica, para nos fechar em projectos extra curriculares. Ele começou a praticar banda desenhada com Henrique Abranches e eu a colaborar com cartoons no Jornal de Angola. As aulas de Artes Plásticas prosseguiam nos dois períodos do dia e heroicamente conciliávamos tudo.

A ideia da criação de os nacionalistas assaltou Sebastião Eduardo numa altura em que já não estávamos a cursar Artes Plásticas. O seu mentor trabalhava com Lino Damião no atelier deste, localizado no edifício da UNAP. Ao ter comigo e expor a idéia, Sebastião Eduardo já não encontrou em mim o “menino nascido para as Artes”. Algum tempo tinha passado e o meu curso académico tinha mudado em grande amplitude. Trocara as artes pelas ciências sociais. É nesta altura, eu era um discípulo “fanático” de filósofos como Hegel Schopenhauer. Lógico esta que, facilmente integraria a sua iniciativa no âmbito das grandes transformações históricas que Angola vivia. Encantado com o meu discurso histórico-filosófico, Sebastião Eduardo conferiu-me a “autoridade de elaborar a “doutrina” de Os Nacionalistas. No assentamento do pensamento ético-estético que impulsionaria o grupo, divergimos. Sebastião Eduardo defendia um autoctonismo ferrenho do tipo Angola deve voltar-se para si mesma. Descobriu-se e andar por si mesma, rumo ao desenvolvimento. Eu, pelo contrário, teimava numa visão universalista, privilegiando a emancipação dos códigos éticos-estéticos a nível dos povos de todo mundo, procurando elementos para o enriquecimento do ser angolano e contribuindo com o que é de útil se pode oferecer ao mundo. Sebastião Eduardo revelou-se preso ao seu Nacionalismo de tendência radical. Um autêntico “Return to the rost” (regresso as raízes) injustificáveis nos tempos modernos em que a globalização estende os tentáculos ao processo evolutivo dos povos. Eu procurava conciliar o processo histórico com a necessidade do ser- angolano. O meu pensamento desenhou-se na base de uma teoria e resolvi denominar por Urbanismo, segundo o qual, a arte angolana embora concebida a partir de matrizes éticas nacionais deve ser “apetrechada” de códigos técnicos-estéticos universais, de modo que não seja isolada no contexto estético mundial. É uma condição de sobrevivência e de emancipação. Apesar da razoabilidade dos argumentos e possibilidade de “negociar” a conciliação, desencadeou-se, desde então, uma guerra filosófica entre nós. É a manifestação da soberania causada pela liberdade própria em artistas. Hoje, a música angolana veiculada por vozes jovens como as dos O2 (ex-N’ Sx Love), os SSP, Tony Amado e seu muchachos, Se Bem, etc., sustentam a verdade do meu discurso. Outras modalidades artísticas não tardam a seguir a passada.

Mas quem eram os Nacionalistas? Quando foi criado, eu era único membro que não praticava Artes Plásticas. Animado pelo Sebastião Eduardo, o grupo tomou corpo comigo, com Lino Damião o mais jovem pintor angolano com nome na praça, Mwamby, o espectacular escultor das peças em coco. Juntaram-se depois Venâncio “veneno”, Lutandila, jovem de traços definidos e que prometia uma brilhante carreira não fosse encontrar o fim da vida em Londres.

Sebastião Eduardo sonhava em viajar pelo mundo e fazer carreira fora de Angola. Um dia a oportunidade chegou e desapareceu para Portugal. Desde então muito jovens passaram pelo grupo, muitos deles a tomar contacto com as artes plásticas primeira vez. Os Nacionalistas, persiste já com a liderança de Lino Damião. Mwamby, está presente e eu não estou alheio o actividades, embora sem participação directa. Ocasionalmente realiza exposições incluindo convidados. A mais recente exposição foi realizada no restaurante Tamariz na Ilha de Luanda no dia 25 de Maio de 2001 e envolveu artistas estrangeiros como o espanhol Pedro pablo e a moçambicana Farida Rasaque. Yana Van-dúnem, Yonamine, Mwambi, Gonga e o próprio Lino Damião completaram o grupo de expositores

Dizer que Os Nacionalista são os responsáveis por uma nova visão criativa, não só seria um pedantismo gratuito como ofuscar-se-iam as grandes vozes que todos os dias estimulam a existência e o progresso das Artes Plásticas. Entretanto, este grupo quase insignificante, que surgiu entre uma UNAP afundada com a BJAP e um mercado artístico pouco definido, juntou em torno de um ideal revolucionário, a maior parte dos pintores angolanos da nova vaga, sediada em Luanda. Através dos vários encontros, exposições e tertúlias esporádicas promovidos pelos seus membros, muitos pintores começaram a ganhar uma verdadeira consciência criativa que num futuro não distante virá a estabelecer um novo estágio no processo evolutivo das Artes Plásticas angolanas.

Sebastião Eduardo encontra-se em Lisboa. Escreveu-me, recentemente, manifestando uma vontade nostálgica de nos reencontrar. Promete vir em férias, para rever familiares, amigos e, obviamente, o grupo de jovens que compõem Os Nacionalistas. Mas uma grande notícia veio com a carta datada de 4 de Julho de 2001: acabou de realizar a sua primeira exposição de pintura, nas terras lusas, em companhia de um pintor moçambicano. Ora avance, SD, a história das artes plásticas angolanas a ser escrita pela nova geração reserva muito espaço ao teu gênio!


* Texto integral publicado na extinta revista Xá de Caxinde, há mais de 10 anos.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A PRÁCTICA DAS ARTES MARCIAIS

O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E SUA INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO

Albano Pedro

(Texto publicado no Jornal de Angola, suplemento Vida Cultural)

Por artes marciais entende-se o conjunto de técnicas coordenadas com vista ao domínio das habilidades físicas e psíquicas que proporcionam a capacidade de defesa pessoal ao seu praticante. A sua origem mais identificada com o étimo da palavra deveu-se efectivamente as guerras travadas entre os povos, ao longo da evolução histórica do extremo oriente. Conta-se que há milhares de anos A.C um monge terá feito uma peregrinação da índia para china com vista apregoar ensinamentos religioso e que ao longo de jornada terá feito uso de uma forma de luta para se defender dos assaltantes então conhecida como Ken Fat que se popularizou entre os seus discípulos vindo a evoluir para o Kung Fu (que quer dizer o caminho das mãos vazias) significado este que veio a identificar os seus equivalentes japonês (Karaté-Do) e coreano (Tang Soo Do). A partir do primitivo Ken Fat os povos da China, Coreia e Japão terão desenvolvido vários sistemas de combate corpo-a-corpo que sobreviveram aos dias de hoje sob várias formas de expressão. Modernamente contam-se mais de um milhão de artes marciais em geral agrupados em sistemas. Só o Kung Fu (sistema de artes marciais chinesas conhecido por ter sido praticado e desenvolvido pelo lendário Bruce Lee) comporta mais de 300 estilos de artes marciais, o karaté-do como um dos sistemas de artes marciais mais populares integra estilos como Shotokan, Goju-ryu, Shito-ryu, Wado-ryu, etc. Os próprios americanos evoluíram do karaté-do estilos livres como o Full Contact, Street Fight, etc.

Existem já muitos sistemas de artes marciais pelo mundo como a Capoeira (Angola e Brasil), Savaté (França), Muai Thai (Tailândia), Full Contact (Estados Unidos da América), etc. Contudo, os sistemas de artes marciais mais populares concentram-se na China (Kung Fu, Tai Chin Chua entre outras), Coreia (Taekwondo, Hapkido, Tang Soo Do, Kempo, Taekywon, etc) e Japão (Judo, Jiu-jitsu, Aikijiujitsu, Aikido, Karaté-do, Kendo, Ninjitsu, etc.). O Japão pela supremacia militar que teve em relação aos outros dois países aos quais ocupou por longos períodos é o que mais sistema de artes marciais desenvolveu sendo o Karaté-do (fundado por Funakoshi sensei identificado posteriormente pelo estilo Shotokan muito popular em Angola) e o Judo os mais conhecidos no mundo. Alguns estilos foram desenvolvidos para atender a fragilidade dos seus praticantes (caso do Judo sistematizado por Jigoro Kanu ou Aikido fundado por Muriei Ueshiba), outros foram desenvolvidos para defesa contra a subjugação dos senhores feudais como o Nunchaku (famosa matraca), Tonfa (forma de porrete com pega perpendicular utilizado modernamente pela polícia) entre outros sistemas de artes marciais que implicam a utilização de instrumentos geralmente agrícolas introduzidos pelos simples camponeses que se viam na necessidade de protegerem os seus pertences contra invasões, outras ainda desenvolvidas para o desenvolvimento espiritual, caso de Tai Chin Chua, a Maginata entre outras.

Com a descoberta de pólvora e o aperfeiçoamento das armas de guerra, a maioria das artes marciais foram perdendo importância no plano militar. Hoje a verdadeira arte marcial é a arte da guerra por utilização de armas de fogo desenvolvida pelas forças armadas. Sendo as restantes legadas a categoria de desportos de combate com vista ao desenvolvimento físico e psíquico do homem. Diferem-se em geral das artes ou desportos de luta (como o Boxe, a Luta livre, o Greco-Romano, etc.) por estes não envolverem a elevação espiritual que os praticantes das artes marciais atingem. Não espanta que a provocação e a insuflação do rancor e ódio pelo adversário que resulta em vitória do atleta rancoroso no Boxe não tenha qualquer êxito no taekwondo, karaté-do, kung-fu, hapkido, judo ou jiu-jitsu por exigir nesta a máxima concentração possível apenas com a serenidade do espírito.

Ao contrário do que se vulgariza, a prática das artes marciais desenvolve a capacidade de se estar calmo mesmo em situações de extrema ameaça ou de grande perturbação. Só um praticante adestrado ou mestre de artes pode esboçar um sorriso de calma transpondo benevolência e suavidade de espírito diante de um bando de assaltantes procurando tomar os seus haveres. A violência é gerada pelo medo e este pela falta de segurança individual. Um ambiente de medo é um ambiente potencialmente violento. Quanto mais se combate a violência com meios violentos mais ela aumenta. Já o versículo bíblico previu “quem com a espada matar com a espada morrerá”. A esposa constantemente espancada desenvolve uma “alergia” natural a qualquer forma de persuasão do esposo, por isso quanto mais se espanca o filho ou a esposa menos disciplinados se tornam diante as ordem do pai ou esposo. Eis a psicologia básica da violência combatida pelo artista marcial com a serenidade do espírito. Por isso, a alma violenta pela tensão do medo e instabilidade psicológica, relaxa ante a segurança alcançada pelo domínio das técnicas de defesa pessoal, da capacidade de auto-protecção Vem daí, a auto-determinação, espírito indomável, preserverança, auto-domínio entre outros valores que estruturam o espírito do praticante de artes marciais. É falsa a ideia de que o praticante de artes marciais é violento. Essa ideia é veiculada pela acção de indivíduos que não atingiram o grau de elevação espiritual exigido aos mestres das artes marciais. Pois se é fácil vermos um graduado inferior (cinturão amarelo, verde ou azul) aos pontapés na rua é devido a factores emocionais próprios da falta de maturidade. É por isso, que não nos é fácil ver um cinturão negro em rixas sem causa justificável aparente. O praticante de artes marciais é ensinado a defender-se e não a agredir. E certas escolas, o praticante que luta na rua é castigado com a severidade máxima e de um modo geral os mestres dos sistemas de artes marciais são intolerantes com os praticantes arruaceiros. Mas entende-se, ser a fase da arruaça um período de transição para a fase “adulta” do praticante de artes marciais em que descobre a capacidade e habilidade técnica atingida vindo depois a fase da consciência letal dos golpes que domina e o perigo social que representa em caso de uso indevido das habilidades técnicas. Esta última fase é atingida a partir da graduação média-superior (cinturões vermelhos ou castanhos conforme arte marcial praticada). A partir do 1º Dan (nível de cinturões negros) a maturidade é incontestável. Os níveis entre o 4º Dan e 6º Dan são mundialmente reservados a categoria de instrutores superiores também conhecidos como Mestres e os níveis entre o 7º Dan e 9º Dan reservado aos Grande Mestres, como autoridades mundiais máximas na propagação das artes marciais. Em geral o 10º Dan é dado a título honorífico a uma única individualidade viva, normalmente regente mundial da arte marcial em causa.


A prática das artes marciais é recomendada a partir da mais tenra idade. Desde os 3 anos o homem tem toda a vida para praticar artes marciais, pois não há reforma na elevação do espírito. Todas as crianças, sobretudo as traquinas e irrequietas, devem praticar artes marciais para desviarem a instabilidade psicológica ao treino metódico e disciplinado, compreenderem as emoções durante o crescimento, se prevenirem dos conflitos psicológicos e turbulências da adolescência pelo controlo do medo e acostumarem-se a disciplina e a ordem social no lar, na escola, na comunidade e no curso da própria vida. O treino nas artes marciais confere o espírito autónomo necessário para o empreendedorismo e sucesso profissional. Acostumado a vida austera do treino duro e orientado a descoberta das mais profundas capacidades físicas, o artista marcial não tem dificuldades em sobreviver em selvas estando perdido ou em ambientes que implicam habilidades especiais ou esforços físicos anormais como em situações de calamidade, desordem generalizada, guerras, etc. As crianças e adolescentes teriam melhor preparação para a prática de outros desportos e sobretudo para o treino militar se desde cedo os pais os incentivassem na prática das artes marciais. Não é por acaso que na China, Coreia e Japão a prática das artes marciais chega a ser obrigatória para todas as crianças integradas no sistema de ensino. Não sabem o quanto debilitam os filhos com a falta de educação física e mental, os pais que afastam, os filhos desta prática quando ligam as artes marciais ao puro treino para a violência. Os próprios pais, assolados pelo stress diário, pelas irregularidades das economias e pela insegurança do lar ou da sociedade devem praticar artes marciais a ver se recuperam a auto-confiança. Não há idade na prática das artes marciais. Aliás mais se envelhece mais profundo se é na prática das artes marciais, por isso a partir de determinados níveis de cinturão negro a graduação só é permitida mediante o alcance de determinada idade, sendo que a partir do 7º Dan apenas os indivíduos com idade superior a 50 anos de idade podem ter acesso. Alguns desportos como o futebol, basquetebol entre outros não permitem tanta façanha por exigir muito esforço dos seus praticantes. Porém, o artista marcial é ensinado a economizar as suas energias para a longevidade.

Modernamente, as artes marciais, com excepção do Kung Fu, são também praticadas como desporto, havendo vários campeonatos em todo mundo. Todos os anos milhares de atletas em todo mundo conquistam medalhas e prémios. Apenas o Taekwondo e o Judo são consideradas artes marciais olímpicas (representadas nos jogos olímpicos) por serem praticadas por mais de 200 milhões de atletas em todo o mundo. O Karaté-do que também é praticado por larga maioria acima de centenas de milhões não é olímpico por comportar vários estilos, não sendo por isso mundialmente uniformizado como acontece com aquelas artes marciais.

Em Angola temos o Karaté-do, Taekwondo e Judo. Outras artes marciais como Jiu-Jitsu, Kung Fu, Capoeira, etc. vão firmando a sua presença entre os praticantes e entusiastas das artes marciais. Apesar disso o número de praticantes de tão ínfimo não justifica a importância desta prática. Provavelmente a falta de demonstrações públicas e a ausência de informação regular na comunicação social sejam as causas principais desta realidade. Não é de estranhar que os praticantes de artes marciais sejam em geral associados a vagabundos com vocação para malfeitores. Em Angola o Taekwondo conta com mais de 60 cinturões negros (sendo dois graduados a 5º Dan, quatro a 4º Dan, quatro a 3º Dan e os restantes repartidos entre 1º e 2º Dan) e centenas de atletas e praticantes diversos oficialmente controlados pela Federação Angolana de Taekwondo.