sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O ETONISMO E O RISCO DO LUGAR COMUM

NO CONTEXTO DAS CORRENTES DE PENSAMENTO
A propósito da possibilidade metafísica da proposta ética da arte de Tomás Ana “Etona”

Albano Pedro

(Primeiro texto em torno do Etonismo publicado no Jornal de Angola, suplemento Vida Cultural)

O Etonismo é defendido como a Filosofia da Razão Tolerante e desenvolvida por Patrício Batsíkama com base na obra plástica de Tomás Ana “Etona”, nos termos da qual é pretendida a ideia de que as relações humanas e sociais (incluindo as interestaduais) devem ser desenvolvidas com base no espírito da tolerância e camaradagem, salvo melhor interpretação, não havendo lugar a necessidade de ofensas de interesses do próximo. Esta corrente não pode ser vista como completa novidade senão na forma como se pretende desenvolver. Na sua perspectiva ontológica, esta corrente procura expor o óbvio e o estruturante nas relações humanas e sociais. Com efeito, desde a revolução burguesa que a Tolerância se tem tornado na chave das relações humanas e sociais. Deve-se a queda da monarquia e o surgimento do movimento constitucional a imposição da igualdade dos cidadãos (relação constitucional) e dos povos (relação internacional) como fundamento da tolerância convivencial ou relacional. Após, a segunda guerra mundial o mundo entendeu melhor a lógica da tolerância proclamando no domínio das relações entre as sociedades princípios claros e objectivos que determinam a necessidade tolerante das relações humanas e sociais, ao proclamar princípios como o da coexistência pacífica, da não agressão, da resolução pacífica dos diferendos entre outros que se tornaram na rede fundamental que suporta as relações entre os povos nos tempos actuais. Mesmo o Direito enquanto realidade normalizadora da sociedade é impregnado em absoluto pelo senso de tolerância. A norma jurídica é antes norma ética e moral eivada de toda tolerância possível, sob pena de ameaçar o justo, iusticiae. Não é por acaso que a Boa-fé – enquanto mecanismo de interacção tolerante – constitui o princípio cardeal do Direito.

Tive a virtude de elaborar uma peça crítica sobre a obra de Tona (hoje Etona) a propósito da sua exposição intitulada O ESTADO DAS COISAS que foi publicada na extinta Revista Mensagem do Ministério da Cultura então dirigida por Jomo Fortunato, através da qual manifestei a constatação sobre a mensagem nela impregnada trazida como recém-nascida na evolução conceptual do artista e no seu senso artiplástico, incluindo uma proposta ética nova, felizmente percebida por Patrício Batsíkama.

O risco do lugar-comum assenta na inovidade do conceito filosófico da obra plástica do Etona em que as propostas metaplásticas sóbrias e fundamentadas pela idade e pela visão reformista do espaço histórico e geracional não fazem nem refazem o corpus metafísico da ética que procura impor com o Etonismo. Na transparência da cortina metafísica de que se cobre esta tese se fragiliza e desventra com o desgosto de uma alma atribulada no seu estatuto de cidadão sobre as inoportunidades económicas do seu tempo e procura na subtileza da proposição filosófica a manifestação de uma revolta contra a polis (a exposição do Estado das Coisas de Tona inaugurou este evento no seu percurso estético-discursivo) recomendando a distribuição e redistribuição equitativa das oportunidades materiais e proclamando um igualitarismo exasperante através de uma constatação ilusória e paradisíaca das possibilidades de uma coexistência pacífica, por si só impossível pela natureza lopina do homem – Lupus omni lupus. Por isso, tolerância na família, tolerância na sociedade e tolerância no mundo.

O Etonismo pode inaugurar uma nova ética plástica ou artística em Angola e influenciar uma nova geração de artistas e até sobretudo a geração de políticos. Não será contudo corrente filosófica. Aliás, Tona ou Etona é personagem artiplástica de uma geração que se entremeou entre a arte politizada do pós-independência pré-republicana dos anos 80 que sobreviveu ao ajudar-se no esforço de retirar as artes plásticas dos braços fortes da ideologia política totalitarista da época e as relançou para a modernidade dos dias de hoje viabilizando uma verdadeira época de criação plástica. Na verdade o que deve ser caracterizada (chamando atenção a crítica séria e imparcial) não é a obra de Etona mas o movimento estético-revolucionário em que se inscreve a sua ascensão como artistas plástico. Neste não faltarão artistas com Tozé, Domingos Barcas, Gonga, Quissanga entre outros novos órfãos sobreviventes do esteticismo inaugurado pelo malogrado Victor Teixeira “Viteix”, sumo pontífice das artes plásticas angolanas, de quem Etona bebeu até a embriaguez. A ousadia de uma crítica séria levaria a caracterizar o actual momento das artes plásticas angolanas como um verdadeiro movimento ou corrente ética e estética cuja denominação viria em abono de todos os artistas da geração de Etona. O próprio Patrício Batsíkama apoia esta constatação ao sustentar que “quando são sucessivamente desenvolvidas pelos vários artistas consoantes diferentes maneiras cria-se escola” (vide: Etonismo e Barroco – site: nekongo.org). E de certo modo Etona não demonstra nenhuma racionalidade tolerante quando aclama os louros da sua geração para si, pela auto-proclamação principesca.

Em meio do renascimento angolano que se inaugura com florescimento político do pós-guerra é míster que as propostas baseadas em agregados científicos de influência universal – como são as proposições filosóficas – sejam ventiladas com base em fenómenos sustentáveis e conceptualizáveis compreendidos na evolução histórica da sociedade, do Estado e das várias formas de manifestação cultural atendendo a onto-génese antropopsicológica e sociológica dos angolanos em toda a sua trajectória histórica, identificando ou quesitando por especificação ou por interrogação as variáveis temporais e as variáveis intemporais com vista a determinar a sua causa determinante, se política, se filosófica, se meramente cultural.

Entendo, enfim que o Etonismo candidata-se a uma corrente política com forte pendor reaccionário quase esquerdista, circunstancialmente inconformista – o homem refugia-se no artista para manifestar-se no político – despertada pela exaustão desgastante provocada pelo passado ideológico que torturou e atrasou todo o processo de emancipação da maioria dos artistas plásticos hoje legados ao abandono institucional e procura sustentar um conceito com base numa realidade fáctica concreta emanada pelo actual modus essendi da sociedade angolana, invertendo o processo gnoseológico de causa efeito no recorte epistemológico dos fenómenos e não passa nem perto de uma proposição garantida pela imutabilidade fenomenológica própria dos conceitos filosóficos, nem mesmo quando proclamada como filosofia de acção. A realidade social angolana exposta na prática corruptiva de governação e de administração predadora de interesses públicos recomenda uma racionalidade tolerante identificada pelo mais consciente dos cidadãos, felizmente publicitada por Patrício Batsíkama. Porém, não é a essência formal nem material da sociabilidade angolana sustentadora de uma ontologia antropológica, estruturada no ser angolano como perene e como tal digna de avaliação metafísica. No plano formal temos que a estrutura jurídico-legal e constitucional é distante desta realidade fáctica e circunstancial proclamando uma civilidade tolerante através das normas de construção ética incólumes e vigorosas. Para tanto bastam princípios e regras fundamentais como o da capacidade de exercício do poder soberano do povo, entre outros. No plano material temos que o povo angolano tem a convivência estruturada com base comunitária de matriz costumeira por si só tolerante, não havendo que confundir a harmoniosa realidade das micro comunidades angolanas (kimbos) com a turbulência egocentrista da urbanidade assumida pelos grandes centros populacionais em que se estruturam os centros de decisões do Estado a partir dos quais Etona e sua pretensa filosofia procuram fundar o pensamento social pela Arte.

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