quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

LOKUA KANZA

ENTRE A GENIALIDADE DO ARTISTA E A EXUBERÂNCIA MUSICAL DE UM TALENTO SEM IGUAL


Albano Pedro




Quando se escuta a música de Lokua Kanza, mesmo quando se sabe que é um congolês, tem-se impressão que é um rebelde musical que se insurgiu contra os padrões da musicalidade da sua terra que invadiram o mundo com uma característica peculiar. Mas, Lokua Kanza é um cantor que busca o Congo Democrático, seu país natal, de forma sôfrega em toda sua paixão artística e recursos sonoros ou vocais. Essa aparente rebeldia coloca-o num anonimato incidental porque não é conhecido entre os seus compatriotas viciados em ritmos desencontrados com a mestria de uma educação musical clássica como a que esteve sujeito. Em meio as referências de Rochereau, Mbilia Bel ou Francó nos tempos passados ou de Papa Wemba, Kofi Olomidé ou Werrason, nos dias de hoje, Lokua Kanza procurou por uma educação musical clássica para seguir uma caminhada orientada para harmonia dos sons e da alma que o levariam a trilhar uma vereda impar e assumir uma musical vanguardista de cariz internacional sem quaisquer marcas da alienação cultural. Por isso a sua música não se confunde com o sokouss que sugere danças como ndombolo ou kuassa-kuassa tão pouco se afasta das raízes melódicas africanas.

Lokua Kanza nasceu em Bukavu, em Abril de 1958. Aprendeu a tocar violão como um garoto qualquer desenvolvendo a sua paixão musical desde então. Foi no Conservatório de Kinshasa que aprendeu teoria musical, a harmonia e a composição. O seu primeiro disco veio em 1993 e logo elevou-o a categoria merecida de uma das maiores referências da música de África. De Lá pra cá as suas músicas veiculam a partir de mais de 5 álbuns (O recente é Nkolo, 2011) se têm tornado em verdadeiros monumentos da destreza musical e da execução profissional harmonizada por um rigor estético musical muito raro na musicografia africana moderna. Hoje com credenciais que o permitem explorar uma rítmica multiforme e plurinacional que atravessa a África e o Brasil pelo mundo, Lokua Kanza insiste em manter a sua identidade através da língua nacional Lingala com a qual musica as melhores obras de arte que se lhe reconhecem. Esse vício nunca o abandona mesmo quando faz recursos linguísticos e idiomáticos diferentes há qualquer coisa que se fala em lingala para deixar claro quem toca. Quando questionado se esse apego teimoso não retira a possibilidade de elevar-se no mercado musical internacional. Simplesmente responde que quando se canta com a alma todos compreendem. E efectivamente acontece com as usas músicas. Não é necessário compreender a letra de Lokua Kanza. As melodias por si só traduzem. E traduzem directamente para a alma atenta que mergulha embebido na sua sonoridade muito peculiar. Lokua Kanza vive da música e para a música e assim se tornou num músico completo. Daqueles que deixam um marca característica em tudo que faz como música. Nesse ambiente é impossível uma paixão eterna com esse fazedor e refazedor de sonhos do qual destacamos Meu Amor, Moninga ou Zamba, para citar e apreciar os recursos estilísticos e estéticos de algumas das verdadeiras obras de arte da música contemporânea nascidas do talento deste africano de origens profundas.

Meu Amor desperta a paixão por uma terra nova (o Brasil em que vive) onde a saudade pela terra reclama a sua parte numa alma cansada de andar pelo mundo em busca do nunca na perfeição da alma e da poesia musical. A saudade flui através de bossa-nova e outros recursos estilísticos num lingala de feições líricas que se perde na alma numa suavidade agradável. O Amor pela terra abandonada num passado inocente é personificado e a arte flui espontaneamente de um Lokua Kanza cheio de energias sonoras e recursos melódicos que se confundem com ritmos brasileiros. Moninga (amigo) é uma homenagem interessante por despertar o lado sublime das relações humanas: a amizade. É uma saudade cantada para um amigo falecido cuja morte tomou conhecimento antecipado devido a uma doença de letalidade irreversível. O amigo morreu e a canção nasceu para eternizar uma solidariedade dilacerante que foi incapaz de o manter entre os vivos. Lokua Kanza recorda o amigo com pesar. Mas ainda resta tê-lo presente numa canção enquanto a alma. Esta, leva o peso da dor e do sofrimento causado pela partida indesejada à eternidade. Aqui a voz dolente de Lokua Kanza compete em perfeição lírica com a sonoridade multidisciplinar que a orquestra produz para embalar um ouvinte exposto a dor artística da música. Em Zamba a multidisciplinaridade é elevada ao extremo da execução musical. A vocalidade multiforme mistura-se a sonoridade instrumental num compasso cadenciado por uma métrica sonora bem conseguida. Torneia a voz numa plasticidade ilimitada e deixa-se correr aparentemente desorientado numa floresta de melodias e sons de sublime espiritualidade numa linguagem bem personalizada. Lokua Kanza parece explorar todos os recursos que a sua capacidade artística sugere dentro de um desespero de quem quer colocar ao consumo sôfrego de quem acompanha. Lokua Kanza deixa os instrumentos dialogarem no ouvido apaixonado do ouvinte até a exaustão para de repente configurar-se uma clareira vocal em que a voz melódica parece despir-se dos compromissos assumido com os instrumentos ao longo da canção.

Diz-se que Lokua Kanza distingue-se pelo som, soulful folclórico. Mas a verdade é que ouvir Lokua Kanza é estar diante de uma feira de recursos melódicos inimagináveis que deram estatuto a músicas que estão no topo da fama mundial. Quando o mundo se mistura em vulgaridades rítmicas em que os temas recorrem-se entre o amor e a traição, Lokua Kanza encaminha seus admiradores em líricas que clamam por um amor divino, uma amizade humanizante ou uma saudade dilacerante num cardápio de perfeição musical onde as melodias são iguarias sublimes. Porque em Lokua Kanza é tudo harmoniosa serenidade musical que dispensa a dança para envolver o espírito num espiral de fantasias melódicas indescritível. De uma coisa estejamos certos: perder oportunidade de contactar com a sonoridade e vocalidade musical de Lokua Kanza é sem dúvidas um desperdício que não se aceita em toda uma vida de cada um de nós, amantes da boa música.

1 comentário:

  1. Excelente biografia musical sobre o referido cantor... Muito obrigado do fundo da minha alma

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